Mais uma vez, a indignação e a revolta ocupam espaço no sentimento da população brasileira. Não estou falando aqui da indignação episódica que costuma movimentar autoridades e classe política para ser rapidamente esquecida. Refiro-me àquela dor surda e permanente que lembra a cada um de nós da dramática realidade nacional: somos todos vítimas potenciais da insegurança e da barbárie. O estupro da menor no Rio de Janeiro lança vergonha no rosto de cada um de nós, humilhado pela desfaçatez dos criminosos. Não podemos deixar passar mais esta barbárie que afronta cada família.
A OAB não vai permitir que se consolide a advertência do poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, autor do poema “No caminho com Maiakovski”, que merece reflexão pela atualidade: “(…) Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor no nosso jardim e não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão e não dizemos nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada”. Vamos permanecer atentos e mobilizados para que mais esse atentado não caia no esquecimento.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, são registrados mais de 50 mil casos de estupro anualmente no Brasil. Pior: apenas 35% dos casos são registrados. Uma regra de três simples mostra um total estarrecedor de 130 mil casos de estupro anuais. Muito ilustrativo é o pensamento de Rousseau em “O contrato social”: “Se há, pois, escravos por natureza é porque houve escravos contra a natureza. A força fez os primeiros escravos. A covardia os perpetuou”.
Está na Folha de domingo (29) que o chefe da Polícia Civil do Rio, delegado Fernando Veloso, disse que o laudo feito no vídeo sobre o estupro coletivo sofrido pela adolescente pode “contrariar o senso comum”. Equivoca-se o delegado. No que depender da OAB, não, doutor! A indignação internacional exige providências. A perícia pode até colocar sob suspeição a consumação do ato. Mas o estupro aconteceu, conforme demonstra o vídeo. Um grupo de selvagens, em meio a risadas, toca nas partes íntimas da garota inconsciente. A lei 12.015 também considera atos libidinosos como crime de estupro.
A posição do Judiciário, manifestada pela ministra Cármem Lúcia, é incontestável: “O gravíssimo delito praticado contra essa menor – mulher e, nessa condição, sujeita a todos os tipos de violência em nossa sociedade – repugna qualquer ideia de civilização ou mesmo de humanidade. É inadmissível, inaceitável e insuportável ter de conviver sequer com a ideia de violência contra a mulher em nível tão assustadoramente hediondo e degradante. Não é apenas a vítima que é violentada. É cada ser humano capaz de ver o outro e no outro a sua própria identidade. É cada uma e todas nós. Nosso corpo como flagelo, nossa alma como lixo. A luta contra tal crueldade é intensa, permanente, cabendo a cada um de nós – mais ainda juízes – atuar para dar cobro e resposta à sociedade contra tal chaga da sociedade”.
A posição da OAB Nacional não poderia ficar menos clara que na nota oficial emitida pela Seccional do Rio de Janeiro e Comissão Permanente OAB Mulher, que declaram seu repúdio ao estupro coletivo e oferecem assistência jurídica à família. O documento diz que o ato demonstra a cultura machista ainda presente em nossa sociedade: “Precisamos lutar contra a violência em cada lar, em cada comunidade, em cada bairro. A revolta e a mobilização são claros indícios de que a indignação social se faz fortemente presente. A OAB/RJ crê na participação de todos, independentemente do gênero, nesta luta”. A OAB se une à população no apoio incondicional à família, na expectativa de ampla recuperação da vítima, na fiscalização da ação policial e, sobretudo, na confiança de que a lei – base constitucional balizadora das ações da sociedade – irá prevalecer na punição aos responsáveis. Já escrevi aqui e insisto: o Brasil tem jeito. Cumpre a nós todos lutar para que a indignação nacional não seja novamente espasmódica.
Por Ana Fabre