Cooperativa de catadores de Rolim de Moura limpa a cidade, armazenando e prensando papelão, papel e plástico de todos os tipos
Em dezembro, a Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de Rolim de Moura (Recicoop) coletou mais de oito toneladas de plásticos e 39 toneladas de papelão nesta cidade da Zona da Mata de Rondônia, a 402 quilômetros da capital Porto Velho. A notícia seria ainda melhor se fosse escoado o estoque de 20 toneladas de vidro acumulado há oito anos. Cientistas estimam em um milhão de anos o tempo de decomposição do vidro no meio ambiente.
Garis desta cidade de 56 mil habitantes não costumam retirar o vidro das lixeiras. A média de produção alcança 40 a 50 toneladas mensais de papel, papelão e plástico. Mesmo com o esforço da Recicoop, só 30% do total é liberado.
A Recicoop empregava 28 pessoas no final do ano passado. Elas são pagas com o recolhimento do lixo, reciclagem e venda do produto para fora do estado. O preço do plástico reciclável costuma variar de R$ 0,40 a mais de R$ 5 o quilo, conforme a peça. O papelão sai a partir de 20 centavos o quilos
Dois caminhões ¾ cedidos pelo Governo de Rondônia e pela Prefeitura de Rolim fazem até quatro viagens ao dia para transportar o lixo reciclável. O município paga o aluguel e manutenção dos veículos, mediante convênio. As três prensas em atividade são ainda insuficientes para a cooperativa dar conta do manuseio dos produtos.
“SÓ O VIDRO AINDA REPRESENTA UM DESAFIO: TEREMOS QUE TRITURÁ-LO, SENÃO ELE CONTINUARÁ AMONTOADO AQUI”, COMENTOU A PRESIDENTE DA RECICOOP LUCINEIDE DOS SANTOS SILVA, VINDA DE RONDONÓPOLIS EM 1978.
Atualmente 20 toneladas de vidro ocupam espaço fora do barracão. Lá dentro, a superlotação é impressionante. O mais recente levantamento da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro) informa que o Brasil produz por ano 8,6 bilhões de unidades de vidro.
Aproximadamente 1,3 milhão de toneladas do material são colocadas no mercado nos mais variados formatos, movimentando aproximadamente R$ 120 milhões. Deste total, somente 300 mil toneladas (quase 25%) são destinadas à reciclagem.
Segundo o Recicla Sampa, o vidro é fabricado basicamente em areia e calcário. Além de ser infinitamente reciclável, o vidro é um dos materiais mais simples e eficientes para reciclar. Entre os problemas que impedem a economia circular do vidro no País estão a falta de coleta seletiva em muitas cidades e o descarte incorreto pela população.
De uma família com nove irmãos, Lucineide não veio para a atividade porque quis. “Saí de casa aos 15 anos, já casada, aos 16 fui mãe do primeiro filho e aos 19 criava três.”
Colheu café, trabalhou numa serraria, estragou os dentes e passou um período desempregada a partir de 2010, após o fechamento do lixão.
Quatro filhos de Lucineide estão associados e oito membros da família trabalham ali, inclusive ela. Dedicada totalmente ao trabalho da reciclagem, ela só cursou até a 7ª série e fez a prova do Enceja.
Os próprios catadores fundaram a Recicoop em maio de 2015, com apoio do Consórcio Público Intermunicipal de Rondônia (Cincero). Das 15 pessoas que saíram do lixão, quatro permanecem associadas.
Pátio da Recoop
O barracão com 60 metros de extensão e 14m de largura é alugado pela cooperativa por R$ 3,8 mil mensais e substitui outro no Bairro Olímpico. O barracão na linha 188 foi possível graças a uma emenda parlamentar do senador Confúcio Moura (MDB-RO).
Em 2017, nove presidentes de cooperativas visitaram Moura no governo do estado para lhe apresentar a realidade dos catadores. “Foi aí que ele se apaixonou por nossa causa”, comenta Lucineide.
Borracha, caixas plásticas de supermercados, eletroeletrônicos inteiros, forro de casas, papel, papelão, peças de ferro, plásticos em geral, são prensados diariamente.
PERSONAGENS DO COTIDIANO
Sebastião Pereira dos Santos, quatro filhos, paranaense de Iporã, conta que já foi chapeiro, leiteiro, trabalhou em frigorífico na cidade, e numa fazenda no município de Alta Floresta d’Oeste.
Juscelino Santino dos Santos, ex-agricultor em Eldorado (MS), veio para Rondônia a convite de um tio. Tem três filhos e cinco netos. “Fiquei dez anos em Cacoal, comprei dez alqueires em Nova Brasilândia d’Oeste, vendi e vim para Rolim.
São trabalhadores que manuseiam diariamente as cargas de produtos recicláveis. Até o final do ano passado, o estoque de plástico era de 20 toneladas e o papelão acumulava 40.
Ao lado deles encontram-se empilhados vasilhames de bacias e óleo combustível, baldes, botas usadas em frigoríficos. “Estas aqui são transformadas em sandálias Melissinha e chinelos”, aponta Lucineide.
A criatividade para a fabricação de enfeites artesanais flui. Sacos bag embalam peças de cadeiras plásticas de bar, carros, latas de manteiga, mangueiras máquinas de lavar, para-choques, pneus, rabetas de motos, tanquinhos, vasos de plantas, ventiladores, entre outros.
Diogo dos Santos sonha estudar biologia, mas por enquanto faz da arte um hobby. Nascido na cidade e filho de dona Lúcia, mãe recicladora, ele criou peças a partir de caixas de pizza usadas. “Mostro para as pessoas e algumas compram; vendi todos os dinossauros pequenos”, ele contou.
Peixes confeccionados de restos de antenas parabólicas; borboletas e jiboias em papel machê também constituíram sua linha de produtos em 2023. Todos trabalhados com cola branca.
Lindos CDs e peças de isopor atraem pelo colorido. Numa única versão, ele pintou o martim pescador.
Diego, outro artesão, pretende trabalhar com softwares. Já concluiu o 9º período do Ensino Fundamental e Médio e quer estudar Direito.
Um passeio entre o lixo reciclado
Na visita ao barracão da Recicoop antes do Natal de 2023, em companhia de Lucineide e do presidente da Aruana – Ação Ambiental da Amazônia, Fabiano Gomes notamos os obstáculos a serem ainda vencidos.
Felizmente, desde o início, a Recicoop foi vista por políticos habituados a transitar pelo interior de Rondônia e enxergar suas necessidades sociais.
Diante de nós, a primeira prensa ainda funcionava intensamente desde 2018, em parceria com o comprador Erli Bitencourt. “Até ficar nossa, movimentando até 50 t/dia”, explicou Lucineide.
A nova prensa, instalada graças a uma emenda do ex-deputado Luiz Cláudio (PR) tem capacidade para 10 t/dia. Antigo técnico na extinta Companhia de Desenvolvimento Agrícola de Rondônia (Codaron), em 1982 Luiz Cláudio foi o responsável pelo projeto da Cidade Hortifrutigranjeira de Porto Velho e na sequência estruturou a primeira Escola Agrícola Cenecista Abaitará, em Pimenta Bueno, da qual foi diretor executivo.
As máquinas usam energia trifásica no barracão situado na confluência das ruas 7 de setembro e Rio Verde. “A maior parte do papelão prensado vai para o Paraná e Santa Catarina; o papel é vendido para São Paulo; garrafas pet são enviadas para Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, informou a presidente.
O isopor triturado é usado na fabricação de cola e tijolo ecológico.
A terceira prensa foi obtida pela logística reversa, a maneira de recolher e dar encaminhamento pós-venda ou pós-consumo ao setor empresarial, a fim de reaproveitar ou destinar corretamente os resíduos sólidos e descartes de embalagens.
O bebedouro, o ventilador ambiental e o uniforme são compensações dessa ponte entre catadores e grandes indústrias.
Literatura de cordel
Na visita, o presidente da Aruana, Fabiano Gomes, localizou exemplares de livrinhos de cordel descartados em algum ponto da cidade e ali, prestes a serem triturados. Ele conversou com Lucileide e ganhou de presente quase todos eles: Barbadianos – vivências de um pertencimento, Corisco, o Diabo Loiro, Teresa de Benguela, Rainha do Quariterê, Milagre na Cidade Santa, Teodora e o império Bizantino, e Morte de Daniela Peres.
Urgência climática, consumo consciente, expansão das práticas ESG (Environmental, Social and Governance) pela indústria são fatores que vêm impulsionando a indústria de reciclagem de resíduos sólidos e a economia circular. Trata-se da Governança Ambiental, Social e Corporativa.
Bom cenário para 2024
O cenário para 2024 é bastante positivo, com possibilidade de fortalecimento e estruturação das cadeias de reciclagem por todo o País.
A previsão foi feita por Daiana Silles, coordenadora de Desenvolvimento de Produtos e Projetos da Eureciclo (soluções de logística reversa), ao site Mundo do Plástico. Em 2022, a Eureciclo, em parceria com centrais de triagem em todo o Brasil, enviou mais de 8.400 toneladas de vidro para a reciclagem e promoveu mais de R$ 3 milhões em investimentos por conta da destinação correta desse material.
A atuação integrada de empresas, sociedade e poder público para aumentar os índices em todos os estados e municípios abrange um potencial enorme, se for considerada a baixa taxa atual de 3% a 5%.
Segundo ela, possivelmente ocorra uma progressiva conscientização sobre a pauta da sustentabilidade, com o intuito de melhorar proativamente nos próximos anos, principalmente com o aumento de políticas governamentais (desoneração e Reforma Tributária), inovações tecnológicas e investimentos maciços no setor, bem como a implementação de soluções de logística reversa pelas empresas.
Mencionou a aprovação, em 2023, das medidas do Comitê-Executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex) que alteraram a tributação para importação do plástico, de 11,2% para 18%.
“Embora a medida seja positiva, é insuficiente para suprir os gargalos atuais, posto que o mercado externo ainda não pesa sensivelmente um volume que possa impactar o mercado interno. Em contrapartida, um dos estímulos possíveis para alavancar os índices de reciclagem e de aplicação da logística reversa passa pela desoneração do mercado doméstico, que também teria o efeito de estimular e incrementar a renda dos profissionais da reciclagem no País.
À medida em que a indústria de reciclagem se expande, a tecnologia (equipamentos, processos) avança na mesma proporção. Disto decorrem melhorias de eficiência operacional e, consequentemente, redução de custos associados. Assim, a disponibilidade de financiamento e investimentos desempenha um papel crucial, e pode representar uma oportunidade.
“Recicladores, frequentemente operando em um contexto marginalizado, podem se beneficiar substancialmente de subsídios governamentais, incentivos fiscais e mecanismos de financiamento que tornem acessível a aquisição e implementação dessas tecnologias” – ela assina.
MONTEZUMA CRUZ
Com fotos e vídeo de Fabiano Gomes – Folha do Norte