O livro de nossa autoria “A verdadeira história do surgimento da Rádio Caiari’ como se diz na gíria jornalística, está no prelo aguardando os últimos ajustes para ser publicado.
Ao revisar a entrevista do Osmar Vilhena encontramos um episódio que nos chamou a atenção e nos levou a colocar na pauta, uma conversa com a viúva de Vitor Hugo Maria Auxiliadora Lobato Ugo. Acontece que em determinado trecho da entrevista com o Osmar, ele fala que “a Auxiliadora me procurou pedindo ajuda no sentido de contratar advogados para cuidar do processo que culminou com a prisão do Padre Vitor pela Policia Federal”. Como Osmar não entra em maiores detalhes a respeito do assunto, resolvemos procurar a viúva para saber o que realmente aconteceu.
Para nossa surpresa, ficamos sabendo, que o então Bispo Auxiliar da prelazia de Porto Velho Dom Antônio Sarto, exigiu que Vitor Hugo lhe pagasse pró-labore sobre os rendimentos auferidos pela rádio Caiari, maiores que o do Bispo titular Dom João Batista Costa, reivindicação negada por Vitor Hugo. A intriga chegou ao ápice quando Sarto descobriu que Vitor Hugo era o responsável pela distribuição para famílias carentes, de uma verba (bolsa), que vinha dos Estados Unidos da América. “Dom Sarto queria que esse recurso fosse administrado por ele, coisa negada por Vitor”.
Maria Auxiliadora Lobato Ugo nessa entrevista, conta com detalhes os fatos que culminaram com a prisão pelo Regime Militar do então padre Vitor Hugo o fundador da Sociedade de Cultura Rádio Caiari.
E N T R E V I S T A
Zk – Como foi que você conheceu o então padre Vitor Hugo?
Auxiliadora – Meu nome é Maria Auxiliadora Lobato Ugo! Na realidade, conheci o padre Vitor Hugo quando ele atuava como Capelão na Capela de Nossa Senhora Auxiliadora em Humaitá e eu estudava lá isso em 1954/55, só que a gente não tinha grande aproximação. Com 15 anos de idade, vim morar em Porto Velho e casei com o João Henrique. Esse casamento durou apenas seis anos. Um belo dia fui convidada para ir ao Colégio Maria Auxiliadora para participar de um retiro espiritual e o Vitor Hugo era o pregador do retiro.
Zk – E então?
Auxiliadora – Ele percebeu que eu estava triste e perguntou o que estava acontecendo, contei que estava passando por um problema muito sério, pois meu casamento estava acabando e tinha quatro filhos pequenos. Foi então que ele falou: “Vai lá na rádio Caiari comigo pra gente conversar!”. Fui à rádio acompanhada da minha mãe. A intenção era que ele nos orientasse naquele momento difícil. Vale salientar que apesar de estar separada do João Henrique ainda dependíamos muito dele, pois ele ganhava muito bem como funcionário do Banco da Borracha (hoje BASA). Pedimos ao padre que conversasse com ele. Os dois se davam muito bem, já que Vitor Hugo tinha sido seu professor no colégio Dom Bosco e mais, o João cantava nos programas de calouros da rádio Caiari.
Zk – E o que resultou essa conversa entre Vitor Hugo e João Henrique?
Auxiliadora – Após essa conversa a situação mudou, de simples amiga que foi pedir uma orientação, quando o João Henrique chegou, foi me acusando de ser amante do padre. Começou assim, de uma simples briga de família, isso porque o pessoal falava que o Vitor era namorador. Mesmo assim, para ficarmos, ainda demorou um bocado. O tempo passou até que Dom Antônio Sarto assumiu como Bispo Auxiliar de Dom João Batista Costa.
Zk – E aqui passamos a falar de parte da história da rádio Caiari em especial, do episódio que levou Vitor Hugo a ser preso pela Policia Federal. Como foi que isso aconteceu?
Auxiliadora – Depois de alguns anos como Bispo Auxiliar, Dom Antônio Sarto em 1970 começou a exigir que a rádio lhe pagasse pró-labore já que pagava para Dom João Batista Costa. Vitor estipulou então um pró-labore pra ele um pouco menor que o de Dom João, porém Dom Sarto não ficou satisfeito e fez uma proposta. Ele sabia que os sócios da Caiari eram, Dom João Batista Costa, Vitor Hugo e o padre Filinto que foi embora e passou suas ações para um outro padre que não lembro o nome agora. Sarto queria que o Vitor Hugo tirasse a participação de um desses para lhe dar e o Vitor argumentou dizendo que não podia, porque a sociedade estava constituída e só podia ser alterada se algum dos diretores morresse ou fosse embora da Prelazia e por isso Dom Sarto ficou com raiva e começou a perseguir o Vitor Hugo.
Zk – E tem a história da ajuda do governo americano também?
Auxiliadora – Isso! Em 1972 a briga entre os dois ficou mais acirrada, em virtude de uma ajuda financeira que vinha dos Estados Unidos da América que o Vitor Hugo repassava para cem crianças carentes afilhadas de famílias americanas, cada uma recebia de três em três meses Trinta Dólares e Dom Sarto queria passar a administrar esse recurso também, aí foi que a briga pegou fogo, era o subalterno contra superior. Todos sabem que Vitor Hugo era de caráter forte e passou a questionar o bispo veementemente.
Zk – Qual a decisão do Vitor Hugo?
Auxiliadora – Ele resolveu passar um tempo na Itália e por la ficou durante quase dois anos para esfriar a cabeça.
Zk – E Dom Sarto?
Auxiliadora – Não podemos afirmar se foi Dom Sarto, o certo foi que na ausência do Vitor Hugo nomearam o Irmão Lauro e o Irmão Balduíno (Maristas) como Diretor da Rádio Caiari apesar do Osmar Vilhena continuar como Gerente. Dom Sarto mandou os Irmãos Lauro e Balduíno vasculhar a vida do Vitor Hugo.
Zk – Essa investigação se baseava em qual motivo?
Auxiliadora – Já se falava nos bastidores, que o Vitor Hugo não podia estar a frente da Rádio Caiari e nem da Cetel (Central Telefônica) porque era estrangeiro.
Zk – E era?
Auxiliadora – O Vitor deu uma vacilada e conseguiram encontrar uma falha. Vitor Hugo era italiano naturalizado brasileiro desde os 18 anos de idade, mas, por sua vontade de trabalhar no Brasil – Ele tinha horror à Itália -, fez uma Identificação como brasileiro. Inclusive Dom João Costa concordou com essa atitude. Na investigação Lauro e Balduíno encontraram essa Identidade. Quando Vitor Hugo retornou da Itália estava tudo armado pra ele deixar a rádio Caiari e como ele não cedeu, resolveram denunciá-lo a Polícia Federal. A denúncia partiu de Dom Sarto que se juntou a Dom Décio que era inspetor Salesiano que não procurou o Vitor Hugo para interrogá-lo e em conseqüência, não ofereceu defesa. Eles foram diretos para Brasília e denunciaram no SNI ou foi no DOPS.
Zk – Como foi que Vitor Hugo tomou conhecimento da denúncia?
Auxiliadora – O Coronel Godoy então Chefe do SNI em Rondônia chamou o Vitor Hugo até seu gabinete e mostrou o telegrama vindo de Brasília, eu também li esse telegrama, que dizia que Vitor Hugo tinha quer ser expulso do Brasil Imediatamente. Godoy muito amigo do Vitor Hugo falou: “Vitor eu não recebi esse telegrama, você tem que sair do Brasil agora”, Vitor com a ajuda do Coronel Godoy foi para o Chile onde ficou escondido por quase um ano.
Zk – Escapou da prisão?
Auxiliadora – Em meados de 1973 foi para o Rio de Janeiro onde também ficou escondido num quartinho na República do Líbano e em 1974 ele mandou me buscar aqui em Porto Velho, só então passamos a morar juntos.
Zk – E como foi que ele se saiu dessa enrascada?
Auxiliadora – Passar a morar comigo foi a tábua de salvação dele, o Coronel Godoy mais uma vez orientou: “É só você assumir seu filho com a Auxiliadora que as coisas ficam mais fáceis”, foi então que ele mandou me chamar. Aí começa a parte romântica do nosso relacionamento, ele mandou pra mim através do Osmar Vilhena dois discos do Roberto Carlos e num deles tinha a música ‘Proposta’: (Eu te proponho… não consegue cantar emocionada).
Zk – E a prisão?
Auxiliadora – Passaram os primeiros meses, nossa família morando junta e em julho de 1974, começaram as perseguições, telefonemas anônimos ameaçando. Eu recebi vários telefonemas e a pessoa dizia: “Vitor Hugo é vigarista” e outras citações e eu respondia, se você quer saber quem é Vitor Hugo venha aqui. E eles foram mesmo e levaram o Vitor Hugo preso algemado para o DOPS do Rio de Janeiro onde ficou só uma semana, graças mais uma vez a intervenção do Coronel Godoy que enviou um dossiê da vida do padre Vitor Hugo com os bons serviços prestados à Porto Velho/RO e então ele passou a responder o processo em liberdade.
Zk – Por quanto tempo ele ficou respondendo esse processo?
Auxiliadora – Foram dez anos. Em Porto Velho constituiu os advogados Dr. José Mario e Dr. Fuad Darwich que revisaram o processo e o arquivaram, pois estava prescrito. Essa é a história da ganância do Bispo Dom Antonio Sarto que culminou na prisão do Vitor Hugo.
Zk – Para encerrar, vocês chegaram a se casar de papel passado?
Auxiliadora – Em 1973 ele pediu licença do sacerdócio Cúria Metropolitana da Arquidiocese do Rio de Janeiro e em 1974 passamos a morar juntos. O casamento religioso foi celebrado com missa e as promessas do matrimônio. Foi o último ato religioso presidido por Dom João Batista Costa em 1991. Os padrinhos foram Luiz Tourinho e sua esposa Lígia, Coronel Roberto Franco e esposa Aure Rose, Euro Tourinho e sua esposa Maria e a senhora Bibi Mourão. Não houve comemoração, foi brindado apenas com um bom vinho!
Fotos de Ana Celia
–GENTEDEOPINIAO