A disparada da inflação esvaziou o carrinho de compras de supermercado dos brasileiros no ano passado, e as novas pressões de preços das commodities, como trigo, soja, petróleo, provocadas pela guerra, devem piorar a situação.
Pesquisa da consultoria global Kantar mostra que, em 2021, com IPCA a 10,06%, o brasileiro levou para casa um volume 5,6% menor de produtos de uma cesta com 120 categorias, entre alimentos, bebidas, higiene e limpeza, na comparação com o ano anterior.
Em número de unidades, o recuo foi de 2,6%. Mesmo comprando menos, o consumidor gastou 8,6% a mais do que em 2020. Em 2022, a alta de preços não deu trégua, pelo contrário (em 12 meses, até fevereiro, subiu para 10,54%).
Esse cenário de bolso apertado com compras menores “se consolidou no final de 2021, especialmente no caso das commodities e dos produtos perecíveis, que inclui carnes”, afirma Raquel Ferreira, diretora comercial da Kantar.
Mensalmente, a consultoria tira uma fotografia da despensa de 11 mil domicílios para projetar as compras de 58,8 milhões de lares existentes no País.
No último trimestre do ano passado, o consumo dessa cesta de produtos caiu ainda mais em unidades, 5% em relação a igual período de 2020. No caso das commodities, que incluem farinha, arroz, óleo de soja, a retração foi de 7,7%. E o desembolso em reais pela cesta como um todo aumentou 5,5%.
“A cesta de commodities já sofreu muito no fim de 2021 e deve ter um primeiro trimestre mais impactado pela alta de preço por conta da guerra”, diz Raquel.
Mudança de hábito
Diante do aperto no orçamento que deve piorar em razão de novas pressões inflacionárias, a alternativa para o consumidor é intensificar o que ele já vinha fazendo ao longo de 2021.
Isto é, buscar promoções, trocar marcas caras por econômicas, substituir carne por proteínas mais baratas, como ovo e empanados.
A pesquisa mostra que a disparada da inflação a partir do segundo semestre do ano passado provocou um aumento da participação das marcas econômicas, aquelas cujos preços estão 20% abaixo da média do mercado, no carrinho de compras. Até meados de 2021, respondiam por 14% da cesta total e fecharam o ano em 16%.
A perspectiva, diz Raquel, é de que a fatia das marcas econômicas, especialmente as regionais, avance e represente 18% da cesta.
Essa foi a participação na época da hiperinflação, antes da estabilização com o Plano Real.
Sem marca
A publicitária e designer Sibele Monice, de 56 anos, que mora com filho de 17 anos e a mãe no ABC paulista, está um passo à frente de boa parte dos brasileiros.
Para economizar, ela tirou as marcas da sua lista de supermercado e começou a comprar muitos produtos a granel, como cereais, arroz, feijão, e itens de limpeza, como sabão líquido, lustra móveis, por exemplo.
“Eu não fui para a marca regional, mas aboli a marca”, diz.
Na compra a granel de produtos sem uma marca específica, o consumidor tem a possibilidade de levar para casa a quantidade exata que precisa e não paga pela embalagem.
Arroz, por exemplo, ela costuma comprar três quilos. É uma quantidade diferente das embalagens comuns de marca, encontradas nos supermercados.
No caso do sabão líquido, Sibele trocou o Omo, cuja embalagem de três litros chegava a custar quase R$ 50, pelo sabão líquido a granel, que sai por R$ 20 cinco litros. “É muito mais barato comprar grãos e itens de limpeza a granel.”
Ao optar por esse tipo de compra, ela reduziu a participação do supermercado como canal de abastecimento de produtos básicos e incluiu as lojas de bairro.
Em itens nos quais não é possível comprar a granel, Sibele continua se abastecendo no supermercado, mas trocou de marca para economizar. Só a marca de pó de café, trocou quatro vezes e assim baixou em R$ 7 o gasto com o item.
Guerra acelera reajustes de preços dos alimentos nas prateleiras
Os impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia, que respondem por 30% das exportações mundiais de trigo, começam a chegar às prateleiras dos supermercados.
Os preços ao consumidor da farinha de trigo, do macarrão, dos biscoitos e até do óleo de soja tiveram forte alta no início do mês, superando de longe reajustes de fevereiro.
Entre 1.º e 12 de março, nos supermercados, a farinha de trigo ficou, em média, 4,46% mais cara, o preço do macarrão com ovos subiu 4,24%, o de biscoitos, 2,62% e o do óleo de soja, 5,79%, em comparação com igual período de fevereiro, aponta um levantamento feito, a pedido do jornal O Estado de S. Paulo, pela startup Varejo 360.
Especializada em pesquisa de mercado, a empresa coletou os preços desses itens nos tíquetes de compra de 150 mil clientes de supermercados no Estado de São Paulo.
O levantamento mostra que, entre 1.º a 12 fevereiro, antes da guerra, que começou no dia 24, os preços desses itens tiveram aumentos bem mais moderados ante igual período de janeiro.
A farinha de trigo, por exemplo, tinha subido 0,24%, os biscoitos, 1,64%, e o óleo de soja, 1,46%. E o macarrão com até ficou 0,97% mais barato.
“Muito provavelmente os aumentos mais acentuados em março devem ser reflexo da disparada do trigo por causa da guerra”, afirma Fernando Faro, sócio da consultoria e responsável pelo levantamento.
Nos últimos 30 dias, até a última quinta-feira, o preço da tonelada de trigo subiu quase 20% no Rio Grande do Sul e beirou R$ 2 mil, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
Faro observa que a maior parte dos reajustes de preços feitos pelos varejistas se concentrou no sábado, 12 de março. E sábado geralmente é o dia da semana no qual os supermercados costumam ser mais agressivos nas promoções.
Isso pode indicar, segundo ele, que a pressão de custos das matérias-primas pesa mais neste momento do que a estratégia para alavancar as vendas.
Agravamento
Os aumentos são confirmados pelos supermercados. Fábio Queiróz, presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro, conta que pães, biscoitos e todos os derivados de trigo e soja – grão que é um substituto do trigo – estão sendo comprados pelos supermercados com preços mais altos. “O quadro se agravou com o início da guerra.”
Os supermercadistas, conta, brigam por centavos nas negociações com fornecedores para reduzir repasses para o preço ao consumidor.
Os aumentos ficarão mais visíveis ao consumidor nesta semana.
Em São Paulo, executivos do setor relataram à Associação Paulista de Supermercados aumentos da farinha de trigo da ordem de 15% na primeira quinzena do mês, com indicações de novos reajustes. No caso do óleo de soja, a majoração do preço teria sido de 20%.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.