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O dia em que conversei com Manoel Rodrigues Ferreira, o autor da “Ferrovia do Diabo”

O dia em que conversei com Manoel Rodrigues Ferreira, o autor da “Ferrovia do Diabo”

iviane Vieira de Assis Paes – escritora, jornalista e consultora de Comunicação e Estratégias

Quando eu tinha 11 anos e era estudante da hoje – inacreditavelmente extinta Escola Samaritana, a professora de história pediu que lêssemos a Ferrovia do Diabo. Meus colegas da 5ª série suspiraram entediados e enquanto que eu, a caipira recém-chegada de Goiânia fiquei curiosa.

Nessa idade já tinha lido de tudo um muito: Machado de Assis, Shakespeare, Jorge Amado e estava devorando a coleção de Zélia Gattai, esposa do escritor baiano e autora do “Anarquista Graças a Deus”, que viraria série alguns anos depois, na TV Globo.

Amei cada página desse clássico rondoniense escrito por Manoel Rodrigues Ferreira, um romance resultado da série de reportagens que o autor publicou sobre Rondônia, no jornal Gazeta de São Paulo, em 1960.

Será que ele topa?

Então, no início de 2003 quando o gerente regional da Eletronorte, Fernando Fonseca durante uma reunião em que discutíamos a estrutura do livro: Memória da Energia Elétrica de Rondônia – MeeRO (edição comemorativa dos 25 anos da empresa no Estado) sugeriu a participação do autor da “Ferrovia do Diabo” eu que nem imaginava se ele estava vivo, só suspirei…”.

– Mas engenheiro – como o chamávamos internamente, o senhor quer quase um milagre, não é um livro, brinquei!

E, ele com olhar de desafio e sorriso brincalhão respondeu: “Drª (uma denominação carinhosa, pois ele me conhecia desde que eu tinha 10 anos) faças esse milagre! Tenho certeza que consegues!” – o modo de falar paraense dominava quando ele conversava.

Manoel Rodrigues Ferreira, o autor da “Ferrovia do Diabo”

Realmente não recordo com certeza como conseguimos o telefone do Manoel Rodrigues, se foi por intermédio do escritor Esron de Menezes ou do professor e também historiador Francisco Matias, um dos especialistas na história de Rondônia convidados a contribuir com o MeeRO.

O que revivo ao escrever esse artigo são os mesmos sentimentos que tive ao falar com o autor dessa relevante obra: alegria e “coração na boca”, que batia assustadoramente.

Achei que seria realmente uma missão impossível conseguir a contribuição dele para um livro tão modesto, no entanto não precisei me esforçar muito para convencê-lo a escrever algo específico sobre a energia elétrica, na região. Manoel Rodrigues tinha um acervo incrível de documentos e fotos resultados de mais de duas décadas de excursões jornalísticas pelo Brasil, principalmente no Norte.

Pediu-me um mês de prazo e que enviaria por carta, por não ter se adaptado “ao mundo da informática”, aos 87 anos. Se tivéssemos paciência teria prazer em pesquisar e escrever algo. Meus olhos encheram de lágrimas de felicidade porque tinha conseguido muito mais do que planejávamos!

Desliguei o telefone e subi correndo a ladeira que separava a sala da Comunicação, literalmente na beira do rio Madeira, onde víamos o barranco, da gerência. Na recepção perguntei para Joana, a secretária executiva do engenheiro Fernando se ele estava sozinho. Ela perguntou o que tinha ocorrido, por ser bem óbvio pela minha expressão esbaforida e respondi que tinha acabado de falar com o Manoel Ferreira, aquele da Ferrovia do Diabo. Ela me abraçou e parabenizou.

Erámos uma equipe muito unida e grande parte dos mais de 60 colaboradores lotados na unidade administrativa da Eletronorte sabia o que estávamos preparando para o evento denominado Aniversário dos 25 anos!

Ele vai participar da comemoração, né!

Depois de compartilhar detalhes da ligação com o engenheiro já ia saindo da sala com aquela sensação de dever cumprido, e ele me jogou essa: – “Seria muito interessante que o seu Manoel Rodrigue Ferreira participasse do evento de lançamento do MeeRO, o que achas”?!

Infelizmente, essa participação mais que especial não foi possível. O escritor estava se restabelecendo de uma forte gripe, em 2006, e seu médico recomendou que ele não viajasse.

Sua contribuição para o Memória da Energia Elétrica de Rondônia, único livro do gênero desde 2006 a abordar com exclusividade o histórico da energia elétrica em um estado brasileiro, intitulada: A Madeira-Mamoré e a energia elétrica inicia o tópico das participações dos historiadores rondonienses no projeto.

Em 21 de maio de 2010, o jornalista, o escritor, o engenheiro e o professor de matemática Manoel Rodrigues Ferreira faleceu em São Paulo, aos 94 anos. Seu relato para o MeeRo foi um dos seus últimos trabalhos escritos.

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