Um processo que deve reintegrar a área denominada Seringal Paraty aos herdeiros do seringalista Raimundo Miranda Cunha, morto em 2006 que tramita no Tribunal de Justiça de Rondônia virou uma espécie de “jogo de empurra” e se prolonga há pelo menos dois anos sem sequer definir em qual comarca será julgado.
O caso veio à tona com a descoberta, pela Polícia Federal, de um anúncio no site OLX em que 34,6 mil hectares da área grilada eram oferecidos pelo valor de R$ 51,9 milhões como “área de compensação de reserva legal”. A polícia acredita que os demais 30 mil hectares já haviam sido comercializados a outros proprietários de imóveis rurais.
A intenção do grupo era usar o mecanismo conhecido como compensação de reserva legal, previsto no Código Florestal de 2012, que permite a venda de créditos gerados pela doação de terras em unidades de conservação, como a Rio Pacaás Novos, para regularizar desmatamento.
Pela legislação, uma propriedade rural no bioma amazônico deveria ter 80% de área preservada, mas na prática esse percentual tem sido pouco respeitado.
“Adquirir áreas em unidades de conservação é um excelente negócio. Todos saem beneficiados: o Estado se beneficia em regularizar uma área que tem a pendência indenizatória pela desocupação da unidade de conservação, e o detentor de imóvel legal regulariza compensando a reserva legal de sua propriedade”, afirma o Ministério Público de Rondônia, nos autos.
Corroborando o parecer desfavorável da Procuradoria do Estado, a investigação encontrou diversas fraudes na documentação do processo de reivindicação da propriedade do Seringal Paraty, como é chamada a área grilada dentro da reserva extrativista Rio Pacaás Novos.
Entre as irregularidades está a falsificação de uma procuração do seringueiro Raimundo Miranda Cunha para Eliana Mezabarba, mulher do empresário Daniel Mezabarba. O documento foi assinado em 2008, dois anos após a morte do seringueiro.
Com essa procuração, apontam as investigações, Eliana Mezabarba passou a tramitar a transferência da propriedade do Seringal de Miranda para a sua empresa. Já a relação com Zarelli, responsável pelas negociações na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental, foi demonstrada por meio de diversas transferências bancárias, além de escutas.
Zarelli e o deputado estadual Jean de Oliveira também tinham interesse em evitar o desmembramento do Único Serviço Notarial e de Registro de Alta Floresta d’Oeste. Esse desmembramento foi aprovado, via lei, em 2018 a pedido do Tribunal de Justiça de Rondônia, após detectar indícios de irregularidades.
O objetivo da quadrilha, que envolvia uma serventuária, era impedir a queda na receita do cartório. Em uma conversa por telefone com Zarelli gravada em 4 dezembro de 2018, o deputado fala: “Se ela [serventuária] der um dinheirim (sic), nós vai tentar resolver esse trem”.
Em outro trecho, o emedebista pergunta quanto seria a propina. Ao ouvir R$ 400 mil do empresário, ele se anima: “Eita porra! Eu vou resolver essa merda!”.
Análise de emails e de arquivos de computador mostram que Oliveira, de fato, preparava uma maneira de reverter o desmembramento via projeto de lei na assembleia, o qual, segundo a investigação, não chegou a ser apresentado.
Após a deflagração da operação da PF, os herdeiros de Miranda ingressaram com uma ação para reverter a fraude e retomar a posse do imóvel, que é todo documentado. E é esse processo que já passou pelas comarcas de Porto Velho, Ji-Paraná, voltou à Porto Velho e agora está em Guajará-Mirim.
O deputado estadual Jean Oliveira é atualmente vice-presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia e segue sendo investigado no inquérito. Em uma das escutas autorizadas pela justiça, revela que o grupo cogitou matar o procurador do Estado Matheus Carvalho Dantas, responsável por emitir pareceres ambientais no âmbito na Procuradoria-Geral do Estado, por ter se recusado a avalizar a grilagem.
Em um dos áudios gravados, o pecuarista Alexsandro Aparecido Zarelli, apontado pela PF como o líder da quadrilha, sugere matar Dantas.
“Passar fogo?”, pergunta o deputado. “Mandar o Mateus pro inferno”, afirma Zarelli. “Vamos atacar ele, ué. Por que cê não falou”, diz Oliveira.
Com a ajuda do parlamentar, Zarelli buscava regularizar a área da Resex conhecida como Seringal Paraty, supostamente de posse da empresa E.A.R. Mezabarba & Martins.
Além de especular sobre o assassinato de Dantas, a quadrilha também discutiu a possibilidade de afastá-lo do caso ou de Oliveira apresentar um projeto de lei na Assembleia que legalizaria a grilagem do seringal.
Em paralelo, Zarelli e Oliveira também agiram para impedir o desmembramento do cartório de Alta Floresta D’Oeste (a 530 km de Porto Velho), ação que geraria uma propina de R$ 400 mil, segundo conversa gravada pela PF.
Em dezembro de 2020, a PF deflagrou a Operação Feldberg, com mandado de busca e apreensão contra Oliveira. Ele não foi preso por causa do foro especial.